por Mair Pena Neto, em Direto da Redação
Qual será a manchete da Folha de S.Paulo quando tiver acesso aos autos do processo da ditadura contra a presidente eleita Dilma Rousseff, garantido pelos ministros do Superior Tribunal Militar? “Dilma participou do assalto a cofre de Ademar de Barros”, “Dilma tomou parte de assalto a banco que resultou na morte de inocentes”, “Dilma delatou companheiros”?
Qualquer que seja a escolha do jornal paulista diante do que poderá constar no processo, qual será a intenção de publicá-la? Fiz a mesma pergunta aqui neste espaço, antes do segundo turno das eleições presidenciais, quando estava evidente o objetivo da Folha de tentar interferir na votação de 31 de outubro com algum fato que pudesse macular a imagem da então candidata. E a repito agora, com Dilma eleita, para tentar compreender até onde está disposto a ir o jornal na sanha de deslegitimar a candidata escolhida pela maioria do povo brasileiro.
Não há nenhum problema em recuperar o passado de pessoas públicas, mesmo que este as denigra, desde que baseado em fatos e fontes confiáveis. Apresentar o papa Bento 16 como ex-integrante da juventude nazista, por exemplo, é indiscutível, pois imagens e registros atestados historicamente o comprovam. Isso não impede que os católicos o reconheçam como líder máximo da sua Igreja, contextualizando o ocorrido no tempo e no espaço.
O problema no caso de Dilma é que a Folha parece afoita em dar vazão a registros que foram obtidos em circunstâncias excepcionais. Dilma não compareceu a uma delegacia para prestar esclarecimentos, acompanhada de seu advogado, e nem respondeu a um processo legítimo. Muito do que consta nos autos de seu processo provavelmente foi obtido enquanto estava pendurada num pau de arara ou sentada na cadeira do dragão sendo barbaramente torturada.
Uma publicação jornalística com o mínimo de seriedade teria que levar isso em conta e não reproduzir simplesmente o que diz um processo suspeito, produzido por um governo que rompeu a ordem constitucional do país e adotou a tortura como instrumento de obter confissões, contrariando os princípios mais básicos dos direitos humanos. Foi esta conduta que os jornais adotaram quando a ditadura tentou apresentar a morte do jornalista Vladmir Herzog como suicídio. Ninguém, talvez com exceção da empresa que publica a Folha, aceitou a versão como verdade. O que provinha da ditadura não era confiável sob nenhuma hipótese.
Confissões sob tortura não têm valor jurídico. E reproduzi-las pura e simplesmente, escudando-se no fato de se tratarem de documentos oficiais, seria de uma leviandade ímpar. Outro agravante de tal divulgação seria legitimar a ditadura militar, um dos períodos mais cruéis e trágicos da história brasileira, confiando exclusivamente na veracidade dos documentos que produziu. O Brasil ainda não fechou a página do que se passou naqueles 25 anos para aceitar passivamente fatos originados nos porões do regime.
Não espero que a Folha não o faça. O jornal publicou coisa muito pior, como a ficha falsa de Dilma antes mesmo de a campanha começar. Talvez seja até uma tentativa de encontrar algo que repare a “barriga” do jornal ao publicar, sem nenhum critério de verificação, a tal ficha, proveniente de um site de ultradireita. Ou então, iniciar um terceiro turno, apresentando as armas para o combate sem tréguas que desempenhará nos próximos quatro anos.
Seja qual for o propósito, ele parece tudo, menos jornalístico. O empenho do jornal se coaduna muito mais com os seus próprios interesses do que com os interesses do país. Seja lá o que contiverem os autos, a sua publicação servirá, sobretudo, para diminuir ainda mais o tamanho da Folha de S.Paulo, que já saiu bem reduzida da recente eleição.
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