por Luiz Carlos Azenha
A campanha de segundo turno de José Serra tenta atropelar a pauta da candidata Dilma Rousseff, com uma dinâmica que pretende criar o “fato consumado”, provavelmente com o apoio de pesquisas eleitorais. Assim é que se criam as “ondas”, que se propagam dos mais para os menos informados (independentemente de classe social).
É o que eu chamaria de “normalização” da imagem de Serra como presidente. Esta tarde ele disparou uma lista de promessas estadualizadas e se associou a duas vitórias de Lula, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Talvez tenha feito isso muito cedo, faltando duas semanas para a eleição, mas definitivamente ele tomou a iniciativa de se associar ao otimisto e à bonança.
Não entendo nada de pesquisas eleitorais, nem de marketing político, mas a campanha de Dilma tem me parecido repetitiva e mesmo as aparições de Lula são burocráticas, distantes, sem o calor da conversa de pé de ouvido.
De qualquer forma, vale ouvir outras avaliações, como esta que recebi por e-mail:
CARTA ABERTA A JOÃO SANTANA
Para se entender porque uma campanha política tão equivocada como a de José Serra está a poucos dias de sair vitoriosa é preciso entender um pouco a psicologia do voto do brasileiro. Em primeiro lugar, nenhuma série de realizações arroladas em comícios e televisão serve para seduzir o eleitor. Isso me parece óbvio. Elas, essas séries, apenas servem ao marketing, para que eles mostrem serviço, recebam seus honorários e movimentem a moenda da campanha. O que está em questão é o VOTO e o brasileiro não vota em CONJUNTO DE REALIZAÇÕES. O brasileiro vota com seu irremediável perfil conciliador, magnânimo, sua vocação para a paz.
Tem-se dito que o axioma de Duda Mendonça, de que quem ataca perde, é falso. Tanto não é falso, que toda a história sociológica e política brasileira pode confirmá-lo. O Itamaraty é mundialmente conhecido pelo tom apaziguador e negociador. O Brasil pacifica os ânimos latinoamericanos, segura o ímpeto belicista de vizinhos. Esta vocação pacificadora, não tem necessariamente a ver com a realidade da violência urbana. Trata-se de um imaginário poderoso, histórico, que move as tendências identitárias e, consequentemente, eleitorais.
Toda a movimentação da massa de votos nesta eleição se deu seguindo essa lógica pacificadora. É uma espécie de “lógica do recado”. O eleitor sempre passa um recado e ele, coletivamente, é mais lúcido do que qualquer análise. Assim foi em 2002, quando levou Lula à presidência. As razões: alternância de poder, esgotamento do discurso (tucano), insistência e recall do candidato da oposição, mensagem de esperança devidamente transmitida (ou alguém acha que em 2002 o eleitor votou num projeto?).
Sobre esgotamentos: um discurso se esgota, não porque ele está errado ou ultrapassado (isso fica com a história), mas se esgota porque, para ser tautológico, se esgota. Meses (anos) a fio enunciando redução de pobreza, de desigualdade, de resistência à crise… pode ser bonito, correto, moralmente admirável, mas como discurso, tais enunciados deixam de FAZER SENTIDO.
A subida de Dilma (cedo demais, diferentemente da de Anastasia), se deu em função do mito Lula, não de sua performance (de Dilma). O eleitor brasileiro é “mineiro”, desconfiado. Ele julga historicamente. A eleição de Serra começa a representar para este imaginário, paradoxalmente, a redenção de Lula. Uma vez eleito, Serra deverá abraçar Lula, deverá ser feita uma transição (que exige humildade, valor que o brasileiro preza). Os ânimos deverão ser desarmados. O PT deverá ser oposição de novo (ora, o leitor pode querer de volta uma oposição de verdade) e Lula exercerá uma influência fenomenal em Serra e na sucessão de 2014. Alguém acha que o brasileiro não pensa nisso, nem que de forma inconsciente? Este eleitor calcula que a eleição de Dilma pode implodir o PT e prejudicar esse expressivo canal popular entre a massa e o poder.
A frase de Serra, pouco percebida, de que se Dilma vencer, Lula estará fora do jogo político eleitoral, tem um peso enorme na fantasia do brasileiro que ama este personagem.
Nesse momento histórico, para frear essa movimentação veloz e massificada do eleitor brasileiro (em direção ao descarte da escolhida por Lula), não há muito o que fazer, em termos de convencimento. Essa luta é agônica. A assertividade de Dilma encanta a militância, mas afugenta o eleitor “pacifista”. O cerco se fecha e assistimos a mais medíocre campanha (com erros inacreditáveis e com um vice inacreditável) prestes a escalar a rampa presidencial.
Mas o eleitor é sábio (e soberano, por lei). Ele não quer mais saber do bolsa-família, do pré-sal, da erradicação da pobreza (não agora, em que tudo está nebuloso e onde há pressão e incerteza). Ele não quer assegurar esses direitos, mas observar o que um opositor um tanto insípido (Serra) pode fazer com eles. É quase um fetiche, quase um teste (que o eleitor tem todo o direito de realizar). Quer ver o que o PT na oposição novamente pode ser capaz de fazer para defender seus direitos.
O eleitor quer a mensagem de esperança, mais uma vez. Quer sonhar. Não se sonha com continuidade. Continuidade é vigília. Não se sonha com estatísticas, por mais humanizadas que elas sejam. Sonha-se com valores, com sentimentos, com lágrimas.
No futebol, há o clássico sentimento de torcer contra a seleção quando ela não corresponde a um outro poderoso imaginário nacional, o do futebol-arte. Queremos vê-la perder para que aprenda a ter humildade e para que ressurja na próxima copa renovada.
Esses sentimentos passaram ao largo da campanha de Dilma e a proeza de entregar a eleição a uma campanha absolutamente equivocada está próxima. Uma campanha precisa conseguir votos, não é um mostruário de realizações. O leitor “pacifista” quer ver os ânimos acalmarem, ele não gosta dessa disputa acalorada (quem gosta disso é intelectual). Diga-se, o eleitor, brasileiro, neste momento histórico, nessa conjuntura política, em plena colheita dos frutos de políticas recentes.
Não há, também, porque subestimar os votos de Marina. Não é um conjunto tão heterogêneo quanto dizem. O recado dela era claro: não gosta do plebiscito, não gosta da polarização, gosta dos melhores quadros de todo o espectro político. Não é um discurso esvaziado (pode ser, daqui a 3 anos). É difícil entender esse recado?
A massa eleitoral brasileira pede atenção, humildade e respeito. A medida em que ela se movimenta, as cabeças individuais e solitárias que escrevem a história vão se enquadrando: certamente, as urnas vão mostrar o caminho para o Brasil, porque o eleitor é SOBERANO.
Mas ainda há duas semanas de campanha. É tempo para esbanjar humildade e respeito à soberania do voto. E conquistá-lo.
Gustavo Conde
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