Dilma Presidenta - Em nome da verdade

domingo, 29 de agosto de 2010

Urariano Mota: o discurso de Lula que não vai sair na Globo

Lula não fala inglês

Urariano Mota, no Direto da Redação

Amigos, o artigo está pronto, veio pronto, pautado, escrito e transmitido por Lula, no comício em Campo Grande (MS), na noite da última terça-feira:

“Me lembro como se fosse hoje, quando eu estava almoçando na Folha de São Paulo. O diretor da Folha de São Paulo perguntou pra mim: ‘O senhor fala inglês? Como é que o senhor vai governar o Brasil se o senhor não fala inglês?’… E eu falei pra ele: alguém já perguntou se Bill Clinton fala português? Eles achavam que o Bill Clinton não tinha obrigação de falar português!… Era eu, o subalterno, o colonizado, que tinha que falar inglês, e não Bill Clinton o português!…

Houve uma hora em que eu fiquei chateado e me levantei da mesa e falei: eu não vim aqui pra dar entrevista, eu vim aqui pra almoçar… Levantei, parei o almoço… E fui embora. Quando terminou o meu mandato, terminei sem precisar ter almoçado com nenhum jornal! Nunca faltei com o respeito com a imprensa… E vocês sabem o que já fizeram comigo…” (Vídeo do discurso aqui)

Essa agressão se deu em um almoço, belo e respeitoso, aonde Lula fora na condição de convidado e candidato, em 2002. Apesar de suas deficiências no speak englisk, ou até mesmo por essas fundamentais deficiências, como diria o mais culto e refinado dos Frias, Lula foi eleito. Ô raça. Gentalha sem brios, sem pudor e sem moral, meteu um metalúrgico nordestino no mais alto posto da nação, danação, como Frias e assemelhados gostavam de dizer.

Recordar é uma forma de conhecimento, talvez a mais aprimorada. Pois não é que depois de um mandato em que o mundo não se acabou, Lula achou de voltar à campanha para a presidência em 2006? Folgado, o cara. Não conseguindo lavar a jega no primeiro turno, partiu pro segundo. Pra quê? Na ressaca – todos lembram bem, Lula era alcoólatra, ele era dado a uma cachacinha, que à sua maneira atualizava Marx, da tendência Karl: “o povo se embriaga, os burgueses vão ao club” – pois bem, na ressaca das eleições daquele primeiro de outubro, uma das peças indeléveis, unforgettable, foi o artigo “Yankees e rebeldes” na Folha de São Paulo em 5.10.2006. Real?

Nem tanto pela qualidade, elegância e boa prosa do texto. Nem mesmo pelo inusitado de conceitos. As idéias ali expostas, se por idéias entendemos tudo que sai de uma cabeça, longe estavam de ser novas. Pelo contrário, eram velhas e velhíssimas no nascimento. Mas escritas sob inspiração de um ghost writer, passaram a ser um documento histórico de como a elite de São Paulo via os outros brasileiros. O possível autor, que se assinava como Otavio Frias Filho, dizia:

“YANKEES E REBELDES

Muito se tem escrito sobre a divisão do Brasil em duas metades que emergiu no domingo. Os jornais trazem mapas onde Rio, Minas, o Nordeste e o Norte aparecem em vermelho (Lula), enquanto São Paulo, o Sul e o Centro-oeste estão em azul (Alckmin). Essa divisão entre ‘yankees’ e confederados em nossa ‘Guerra Civil’ eleitoral já foi enfocada sob seus dois prismas mais evidentes, o antagonismo de classe e a desigualdade geográfica. Grosso modo, o primeiro opõe as classes populares às classes médias. O segundo ângulo opõe o ‘Norte’ ao ‘Sul’…

Em grande parte do Nordeste, e mesmo em Minas e no Rio, o cenário é outro. São regiões onde a onipresença do Estado remonta ao período colonial; são lugares onde o poder do Estado para contratar, subsidiar, autorizar verbas segue enorme, até por compensar a relativa debilidade da economia privada…”.

Era uma placa a ser gravada com letras de ouro. Era o óbito de um tempo, de uma classe, que se desejava mostrar ilustrada, educada, culta. O que antes atingia Lula, chamado de apedeuta pelo mesmo Frias em outro artigo, o que antes atingia, de raspão, a sua origem material e de nascimento, um operário, um nordestino, agora se dirigia com mais precisão à gente que lhe era semelhante.

Lembro que ao comentar essa brilhante excreção, escrevi que os Frias e semelhantes podiam esperar uma praga de nordestinos, em revoada de Norte a Sul para São Paulo, quando 29 de outubro chegasse. Que chegou, e veio, gerando mais um mandato, talvez o mais brilhante da república do Brasil.

Hoje, e até a próxima semana, temos Dilma com 46%, e Serra com 28% de intenções de voto. Nos próximos quatro anos, se alguém lhe ensinar o samba, o dono da Folha pode interpretar: “Implorar, só a Dilma, mesmo assim às vezes não sou atendido”. Recordar é prever. Bruxo sem memória não há.

sábado, 28 de agosto de 2010

Esfera Pública X Esfera Mercantil

Por Emir Sader

O neoliberalismo é a realização máxima do capitalismo: transformar tudo em mercadoria. Foi assim que o capitalismo nasceu: transformando a força de trabalho (com o fim da escravidão) e as terras em mercadorias. Sua história foi a crescente mercantilização do mundo.
A crise de 1929 – de que o liberalismo foi unanimemente considerado o responsável – gerou contratendências, todas antineoliberais: o fascismo (com forte capitalismo de Estado), o modelo soviético (com eliminação da propriedade privada dos meios de produção) e o keynesianismo (com o Estado assumindo responsabilidades fundamentais na economia e nos direitos sociais).
O capitalismo viveu seu ciclo longo mais importante do segundo posguerra até os anos 70. Quando foi menos liberal, foi menos injusto. Vários países – europeus, mas também a Argentina – tiveram pleno emprego, os direitos sociais foram gradualmente estendidos no que se convencionou chamar de Estado de bem-estar-social.
Esgotado esse ciclo, o diagnóstico neoliberal triunfou, voltando de longo refluxo: dizia que o que tinha levado a economia à recessão era a excessiva regulamentação. O neoliberalismo se propôs a desregulamentar, isto é, a deixar circular livremente o capital. Privatizações, abertura de mercados, “flexibilização laboral” – tudo se resume a desregulamentações.
Promoveu-se o maior processo de mercantilização que a história conheceu. Zonas do mundo não atingidas ainda pela economia de mercado (como o ex-campo socialista e a China) e objetos de que ainda usávamos como exemplos de coisas com valor de uso e sem valor de troca (como a água, agora tornada mercadoria) – foram incorporadas à economia de mercado.
A hegemonia neoliberal se traduziu, no campo teórico, na imposição da polarização estatal/privado como o eixo das alternativas. Como se sabe, quem parte e reparte fica com a melhor parte – privado – e esconde o que lhe interessa abolir – a esfera pública. Porque o eixo real que preside o período neoliberal se articula em torno de outro eixo: esfera pública/esfera mercantil.
Porque a esfera do neoliberalismo não é a privada. A esfera privada é a esfera da vida individual, da família, das opções de cada um – clube de futebol, música, religião, casa, família, etc.. Quando se privatiza uma empresa, não se colocam as ações nas mãos dos indivíduos – os trabalhadores da empresa, por exemplo -, se jogam no mercado, para quem possa comprar. Se mercantiliza o que era um patrimônio público.
O ideal neoliberal é construir uma sociedade em que tudo se vende, tudo se compra, tudo sem preço. Ao estilo shopping center. Ou do modo de vida norteamericano, em que a ambição de todos seria ascender como consumidor, competindo no mercado, uns contra os outros.
O neoliberalismo mercantilizou e concentrou renda, excluiu de direitos a milhões de pessoas – a começar os trabalhadores, a maioria dos quais deixou de ter carteira de trabalho, de ser cidadão, sujeito de direitos -, promoveu a educação privada em detrimento da publica, a saúde privada em detrimento da pública, a imprensa privada em detrimento da pública.
O próprio Estado se deixou mercantilizar. Passou a arrecadar para, prioritariamente, pagar suas dívidas, transferindo recursos do setor produtivo ao especulativo. O capital especulativo, com a desregulamentação, passou a ser o hegemônico na sociedade. Sem regras, o capital – que não é feito para produzir, mas para acumular – se transferiu maciçamente do setor produtivo ao financeiro, sob a forma especulativa, isto é, não para financiar a produção, a pesquisa, o consumo, mas para viver de vender e comprar papéis – de Estados endividados ou de grandes empresas -, sem produzir nem bens, nem empregos. É o pior tipo de capital. O próprio Estado se financeirizou.
O neoliberalismo destruiu as funções sociais do Estado e depois nos jogou como alternativa ao mercado: se quiserem, defendam o Estado que eu destruí, tornando-o indefensável; ou venham somar-se à esfera privada, na verdade o mercado disfarçado.
Mas se a esfera neoliberal é a esfera mercantil, a esfera alternativa não é a estatal. Porque há Estados privatizados, isto é, mercantilizados, financeirizados; e há Estados centrados na esfera pública. A esfera pública é centrada na universalização dos direitos. Democratizar, diante da obra neoliberal, é desmercantilizar, colocar na esfera dos direitos o que o neoliberalismo colocou na esfera do mercado. Uma sociedade democrática, posneoliberal, é uma sociedade fundada nos direitos, na igualdade dos cidadãos. Um cidadão é sujeito de direitos. O mercado não reconhece direitos, só poder de comprar, é composta por consumidores.
Na esfera da informação, houve até aqui predomínio absoluto da esfera mercantil. Para emitir noticias era necessário dispor de recursos suficientes para instalar condições de ter um jornal, um rádio, uma TV. A internet abriu espaços inéditos para a democratização da informação.
A democratização da mídia, isto é, sua desmercantilização, a afirmação do direito a expressar e receber informações pluralistas, tem que combinar diferentes formas de expressão e de mídia. A velha mídia é uma mídia mercantil, composta de empresas financiadas pela publicidade, hoje aderida ao pensamento único. Uma mídia composta por empresas dirigidas por oligarquias familiares, sem democracia nem sequer nas redações e nas pautas dos meios que a compõem.
A nova mídia, por sua vez, é uma mídia barata nos seus custos, pluralista, crítica. O novo espaço criado pelos blogueiros progressistas faz parte da esfera pública, promove os direitos de todos, a democracia econômica, política, social e cultural. A esfera pública tem expressões estatais, não- estatais, comunitárias. Todas comprometidas com os direitos de todos e não com a seletividade e a exclusão mercantil.
São definições a ser discutidas, precisadas, de forma democrática, aberta, pluralista, de um fenômeno novo, que prenuncia uma sociedade justa, solidária, soberana. A possibilidade com que estão comprometidos Dilma e Lula de uma Constituinte autônoma permite que se possa discutir e levar adiante processos de democratização do Estado, de sua reforma em torno das distintas formas de esfera pública, desmercantilizando e desfinanceirizando o Estado brasileiro.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Governo argentino acusa jornais de apropriação ilegal

A presidente Cristina Fernández de Kirchner apresentou, na noite desta terça, um relatório de mais de 20 mil páginas acusando os donos dos principais jornais do país de envolvimento em crimes cometidos durante a ditadura. No relatório, intitulado “Papel Prensa, a Verdade”, o governo denuncia os proprietários dos jornais La Nación, Clarín e do extinto La Razón de terem se apropriado ilegalmente e mediante ameaças da maior empresa fornecedor de papel jornal do país na época da ditadura, a Papel Prensa, em novembro de 1976.

O governo argentino denunciou, na noite desta terça-feira (24), a apropriação ilegal da empresa “Papel Prensa” (maior empresa fornecedora de papel jornal do país) por parte dos jornais Clarín, La Nación e La Razón.

A presidente Cristina Fernández de Kirchner, acompanhada de todo o seu gabinete, dos presidentes de ambas as câmaras, funcionários, dirigentes políticos empresários e de representantes de organizações sociais recebeu o informe elaborado pela Comissão Oficial formada especialmente para investigar a transferência das ações da empresa do Grupo Graiver (antigo proprietário de Papel Prensa) aos proprietários dos jornais Clarín, La Nación e La Razón. Essas empresas (durante a ditadura) “necessitavam das ações classe A para assumir o controle da empresa”, fato comunicado naquela época, nos três jornais, por meio de uma nota afirmando que “tomavam o controle da empresa conforme acordo prévio com a Junta de Comandantes” da ditadura.

Cristina Fernández de Kirchner afirmou que “no caso do Clarín ocorreu a coincidência entre quem fabrica o papel e quem controla a palavra impressa”. Ela denunciou as condições políticas nas quais a transferência das ações se deu, num país em que só existia a “liberdade ambulatória”. Denunciou também que, anos depois, por causa da falência do La Razón, os jornais controladores da empresa “acordaram um pacto de sindicalização de ações”, para controlar as decisões da companhia.

Assegurou, além disso, que a viúva de David Graiver, Lidia Papaleo, foi detida cinco dias depois de ter assinado a transferência das ações da empresa do marido, para evitar que a empresa caísse na interdição dos bens da família ordenada pela Junta militar. Por último, afirmou que “apesar de que estou convencida de como as coisas aconteceram, o Procurador do Tesouro fará a denúncia correspondente para que a Justiça determine as condições nas quais se realizou a transferência das ações da empresa” e antecipou que enviará ao Congresso um projeto de lei para “declarar de interesse público a produção de pasta de celulose e do papel jornal, bem como sua distribuição e comercialização, e para estabelecer o marco regulatório deste insumo básico, que garanta um tratamento igualitário para todos os jornais da República.”

Integrante da Comissão, Alberto González Arzac afirmou que “o informe constitui uma refutação definitiva das versões sobre a história da empresa Papel Prensa S/A que os jornais Clarín e La Nación publicaram em suas edições de 2 de março e de 4 de abril deste ano.

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O passado e o presente da imprensa brasileira

Por Marco Aurélio Weissheimer da Carta Maior

As empresas de comunicação têm o hábito de se apresentarem como porta-vozes do interesse público. Em que medida uma empresa privada, cujo objetivo central é o lucro, pode ser porta-voz do interesse público? Essas empresas participam ativamente da vida política, econômica e cultural do país, assumindo posições, fazendo escolhas, pretendendo dizer à população como ela deve ver o mundo. No caso do Brasil, a história recente de muitas dessas empresas é marcada pelo apoio a violações constitucionais, à deposição de governantes eleitos pelo voto e pela cumplicidade com crimes cometidos pela ditadura militar (cumplicidade ativa muitas vezes, como no caso do uso de veículos da ão Paulo durante a Operação Bandeirantes). Até hoje nenhuma dessas empresas julgou necessário justificar seu posicionamento durante a ditadura. Muitas delas sequer usam hoje a expressão “ditadura militar” ao se referir aquele triste período da história brasileira, preferindo falar em “regime de exceção”. Agem como se suas escolhas (de apoiar a ditadura) e os benefícios obtidos com elas fossem também expressões do “interesse público”.


Apoiar o golpe militar que derrubou o governo Jango foi uma expressão do interesse público? Ser cúmplice de uma ditadura que pisoteou a Constituição brasileira, torturou e matou é credencial para se apresentar como defensor da liberdade? O silêncio dessas empresas diante dessas perguntas já é uma resposta. O que é importante destacar é que a semente do autoritarismo, da perversidade e da violência prossegue ativa, conforme se viu neste final de semana (e se vê praticamente todos os dias).

A revista Época fez o que se espera da Globo, maior empresa midiática do país e um dos pilares de sustentação da ditadura militar: resgatou a agenda da Guerra Fria e destacou na capa o “passado de Dilma”. O ovo da serpente permanece presente na sociedade brasileira. O que deveria ser tema de orgulho para uma sociedade democrática é apresentado por uma das principais revistas do país como motivo de suspeita. Os editores de Época honram assim o passado autoritário e anti-democrático de sua empresa e nos mostram que ele está vivo e atuante.

Indenizações às vítimas da ditadura
De maneira similar, aqui no Rio Grande do Sul, o jornal Zero Hora publicou um editorial apoiando a decisão do TCU de questionar às indenizações que estão sendo pagas às vítimas de perseguição e maus tratos durante a ditadura, ou “regime de exceção”, como prefere a publicação. Trata-se, segundo a RBS, de defender um “princípio da razoabilidade”. “Ninguém tem direito a indenizações perdulárias ou a aposentadorias e pensões que extrapolam critérios de prudência, ponderação e equilíbrio”, diz o texto. Prudência, ponderação, equilíbrio e razoabilidade: foram esses os valores que levaram o jornal e sua empresa a cerrarem fileiras ao lado dos militares que rasgaram a Constituição brasileira? Quanto dinheiro os proprietários da RBS ganharam com esse apoio? Não seria razoável e ponderado defender que indenizassem a sociedade brasileira pelo desserviço que prestaram à democracia?

É cansativo, mas necessário relembrar. Sempre. Como a maioria da grande mídia brasileira, a empresa gaúcha apoiou o golpe que derrubou João Goulart. O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelos militares por apoiar Jango. Esse foi o batismo de nascimento de ZH: a violência contra o Estado Democrático de Direito. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. A última frase editorial fala por si:

“Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.

Interesses nacionais?

A expansão da empresa se consolidou em 1970, com a criação da RBS. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.

Como a revista Época, Zero Hora é fiel ao seu passado e exercita um de seus esportes favoritos: pisotear a memória do país e ofender a inteligência alheia. O editorial tenta ser ardiloso e defende, no início, as indenizações como decisão correta e justa. Mas logo os senões começam a desfilar: os exageros nas indenizações de Ziraldo, Lula, Jaguar e Carlos Lamarca, “outro caso aberrante segundo o procurador”. A pressão exercida por setores militares junto ao governo e ao Judiciário é convenientemente omitida pelo editorial que fala do “risco” de as indenizações se transformarem em algo como “uma bolsa-anistia”.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Junior, divulgou uma esclarecedora nota a respeito da decisão do TCU e das pressões que vem sendo exercidas contra o processo das indenizações. A capa da revista Época e o editorial de Zero Hora mostram que as empresas responsáveis por essas publicações permanecem impregnadas do autoritarismo que alimentou seu nascimento e expansão. É triste ver jornalistas emprestando sua pena para inimigos da democracia e da liberdade. Pois é exatamente disso que se trata. Esse é o conteúdo que habita a caixa preta de boa parte da imprensa brasileira.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Vox Populi: Dilma chega a 45% e venceria no primeiro turno

Vox Populi: Dilma tem 45%, Serra tem 29% e Marina, 8%

Se a eleição fosse hoje, candidata do PT venceria no primeiro turno, aponta levantamento divulgado nesta terça-feira

iG São Paulo | 17/08/2010 19:20 – Atualizada às 20:04

A candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, venceria no primeiro turno se a eleição fosse hoje, de acordo com a pesquisa Vox Populi/Band/iG divulgada nesta terça-feira. Dilma teria 45% das intenções de voto, contra 29% do presidenciável tucano, José Serra, e 8% da candidata do PV, Marina Silva. Para vencer a disputa no primeiro turno, a quantidade de votos válidos contabilizados por um determinado candidato deve ser superior à soma dos votos obtidos pelos demais concorrentes.

Os demais candidatos não atingiram 1% das intenções de voto, 5% declararam voto branco ou nulo e outros 12% se disseram indecisos. A pesquisa estimulada, que mostra os nomes dos candidatos para os entrevistados, foi feita entre os dias 7 e 10 de agosto, após o primeiro debate entre os presidenciáveis, realizado pela Band no dia 5 de agosto.

O melhor desempenho de Dilma é na região Nordeste, e o pior é na região Sudeste. Em Pernambuco, ela teria 66% dos votos, contra 19% de Serra. Já o tucano tem seu melhor desempenho na região Sul e, o pior, no Nordeste. Em São Paulo, Estado que governou até abril, Serra teria 40% dos votos, contra 33% da petista.

O instituto entrevistou 3 mil pessoas em 219 municípios de todos os Estados, do Distrito Federal e excluindo Roraima. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número 22.956/10. A margem de erro é de 1,8 ponto percentual para mais ou para menos.

Dilma também aparece na frente na pesquisa espontânea, com 32% das intenções de voto, ainda segundo a Vox Populi/Band/iG. José Serra aparece em segundo, com 18%, e Marina Silva em terceiro, com 5% das intenções de voto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não é candidato, foi citado por 3% dos entrevistados. Outros 6% disseram votar nulo ou branco e 34% não sabem em quem votariam.

Na última pesquisa Vox Populi, publicada em 22 de julho, a candidata petista tinha 41%, contra 33% de Serra e 8% de Marina. Outros 4% declararam votar em branco ou anular e 13% estavam indecisos.

Promessa é dívida...

Como prometido em 25/07, publico novo gráfico com os dados do Datafolha de 13/08 com Dilma 8% à frente de Serra:

domingo, 15 de agosto de 2010

O estilo Bonner e Dilma

por Urariano Mota, do Direto da Redação

A maioria dos brasileiros observou o comportamento agressivo de William Bonner contra a candidata Dilma Roussef no Jornal Nacional. Aquela entrevista mereceria mais o nome de cilada, ou armadilha, se surpresa houvesse no caráter do apresentador. Mas não, se o homem é naquilo que ele faz, o âncora deus-nos-acuda há muito é um ser revelado.

Um breve perfil de William Bonner não deixaria de notar, em primeiro lugar, que ele é um jornalista medíocre. Surpresa? Não, ainda não. Em um meio em que a primeira condição de sucesso é não ter muitas ideias, e, de preferência, nenhuma, Bonner seria medíocre por estar na média. (Na mídia, ele diria.) Depois, de passagem, na sua média mediocridade seria notado e anotado que ele possui uma fidelidade, não a do gênero canino, porque os cães, até mesmo eles, sofrem lapsos de confiança quando atacados pelo vírus da raiva. Bonner é um jornalista de fidelidade maquinal, de obediência automática ao comando do nome Marinho. Surpresa? Não, ainda não. Os astros da Globo mantêm isso como um distintivo, um crachá que atravessa o peito e atinge a própria alma, como um sinete de qualidade.

Então, se tudo nele é médio, por que o seu alto cargo, de editor do Jornal Nacional? Antes que responda, “bem, alguém tinha que ocupar”, poderia responder que ele obedece à lei geral de, para aparecer na tela, o jornalista deve possuir um ar de bom moço, que mantenha aparências de dignidade mesmo quando chancele as maiores canalhices. O rosto simpático e nome de galã de filme B longe estão de um específico, de um caráter, digamos. Ainda que este parágrafo venha a lhe dar um aumento de salário e promoção na empresa Globo, devo dizer: o específico de William Bonner vem da rara condição de que ele é cria, criado e criatura da ilha de edição do Jornal Nacional. Um algo que somente pode viver e sobreviver naquela redoma, um ser que dorme com a sua apresentadora e acorda com a vinheta, a logomarca e a voz de anúncio, “Jornal Nacional !” William Bonner ali não trabalha, ele é, somente é, somente pode ser ali.

Bonner e o Jornal Nacional são uma só e uma mesma coisa. (Nova promoção para o rapaz.) Isso explica por que ele, WB, e JN sejam capazes de coisas inomináveis, sem engulhos, sem trauma ou vinco no rosto. Quem assiste ao Jornal Nacional percebe que o mundo ali vem desmontado entre caras e bocas, em dramatização de telenovelas. Chega-se ao limite do uso de trilhas sonoras, como todos devem lembrar das imagens editadas dos desastres e tragédias de aviões. Planos, tomadas, cortes, luzes, a revolta dos passageiros, a indignação dos parentes…

Lembram? Em cada edição, eram mostrados capítulos de telenovela, como breves documentários, como autênticos momentos-verdade, como um conjunto de imagens espetaculares, fogo, choro, convulsões, desespero, e reconstituições por recursos de computador, que misturados à narração do… repórter …. eram uma aula, uma lição de insuflar emoção nas… reportagens. Lágrimas, choros, prantos, fotos de crianças mortas, de jovens sem vida no vigor dos seus anos, e a culpa toda, insinuada e declarada, era do caos aéreo, e de Lula.

De carniceiro de tragédias, como no acidente da TAM, à última “entrevista” com a candidata Dilma Roussef, quando ele, WB ou JN, submeteu uma pessoa digna a vexames e interrupções o tempo todo, para que ela não falasse, nem completasse um só pensamento, há uma reta inflexível da máquina William Bonner. Assim como ele repetiu de outra maneira, na entrevista com a candidata Marina, ontem, quando fez dela parede para bater no PT, a falar do mensalão, mensalão, mensalão. E, justiça seja feita, a moça da ecologia Natura até que aceitou o ventríloquo e sparring. Ali, ele não era Bonner. Ali era Ali, Kamel. Ali ele não era Bonner, se é que alguma vez tenha sido tal apelido e nome “artístico” antes se chamar Jornal Nacional.

A esta altura, enquanto escrevo este artigo, não sei como será a entrevista com o vendedor de ilusões Serra, logo mais à noite. “Não sei” é modo de dizer. Mas sei, porque bem posso imaginar, que sempre é uma forma de saber, quando imaginamos em cima da experiência observada. O bravo William Bonner, ou o Jornal Nacional, fingirá que pergunta, enquanto Serra fingirá que responde, afetando surpresa. Assim manda a experiência de outras campanhas e edições WB ou JN. Surpresa? Não, mais uma vez não. A diferença é que desta vez, com a liberdade da web, todo o Brasil perceberá a farsa do teatrinho manipulador Jornal Nacional.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Marcos Coimbra analisa a eleição em um turno

por Marcos Coimbra, presidente do Vox Populi, no Correio Braziliense

A cada momento, as eleições suscitam perguntas diferentes. Já foram várias: Dilma decolará? Serra será candidato? Marina vai empolgar? Quanto de sua popularidade Lula conseguirá transferir?

A mais nova e interessante diz respeito a um cenário que muitos consideravam impensável há pouco tempo: será que Dilma vai ganhar no primeiro turno?

Algumas pessoas acham que apenas formular essa pergunta é tomar partido de Dilma, querer que ela vença ou torcer por ela. São os que supõem que a hipótese é tão absurda que só faria sentido na cabeça de um “dilmista”.

Na verdade, não. São cada vez mais numerosos os analistas que trabalham com essa possibilidade. Até quem sempre raciocinou unicamente com a situação inversa, de Serra vencer no primeiro turno, hoje admite que ela exista e que está se tornando a cada dia mais provável.

Já faz tempo, no entanto, que as pesquisas permitiam antevê-la. A rigor, desde o final do ano passado, quando Serra ainda estava com folgada dianteira. Bastava levar em conta o que diziam as pessoas que conseguiam estabelecer a ligação entre Dilma e Lula.

Entre os que sabiam que ela era a candidata do presidente, a liderança do ex-governador desaparecia e os dois ficavam com a mesma intenção de voto. Mas, ao considerar o perfil socioeconômico dos que não sabiam, via-se que ela tinha grande potencial de crescimento, bastando, para isso, que a informação aumentasse e alcançasse os segmentos mais propensos a votar em seu nome.

De dezembro em diante, as pesquisas foram mostrando que, a cada ponto que subia o conhecimento de que ela era a candidata de Lula, aumentavam suas intenções de voto. Ou seja, embora Serra continuasse liderando, sua vantagem era frágil, pois se sustentava em algo que a campanha eleitoral se encarregaria de alterar. Era a desinformação que lhe dava vantagem, e essa tenderia a desaparecer à medida que a eleição se avizinhasse.

Lula fez o que estava ao seu alcance para que cada vez mais pessoas identificassem Dilma como sua candidata. Levou-a a todos os palanques, convidou-a para inaugurações e solenidades, viajou com ela Brasil afora. Mas foi a imprensa quem mais contribuiu para que seu objetivo – universalizar a informação de que ele a apoiava – fosse sendo progressivamente atingido.

Em 2010, fora seus discursos para as platéias reunidas nesses eventos, Lula só se dirigiu diretamente ao conjunto dos eleitores para falar em Dilma uma vez: quando estrelou os comerciais e o programa partidário do PT em maio. Apenas nessa oportunidade usou uma mídia de massa para falar olhando nos olhos do eleitor e pedir seu voto.

Hoje, cerca de 80% dos eleitores são capazes de associar Dilma a Lula, mas menos de 25% dizem conhecê-la bem. Faltam 20% que sequer a conhecem e há uma larga fatia que somente sabe seu nome.

Engana-se quem olha seus atuais 40% de intenções de voto como teto. Ela chegou a esse patamar através de um processo de difusão da informação que alcançou o eleitor popular fundamentalmente através do chamado “boca a boca”. Nele, a bem dizer, a televisão foi apenas coadjuvante.

Quando, a partir da semana que vem, a propaganda eleitoral começar e Lula passar a aparecer diariamente no programa e nos comerciais na TV e no rádio, Dilma deverá entrar em uma nova etapa de crescimento. Até onde irá, é difícil dizer.

Como as perspectivas de crescimento de Serra são reduzidas, a esperança de quem quer dois turnos se deslocou para Marina e os pequenos candidatos. Mas a mídia que terão é tão exígua (Marina, por exemplo, disporá de um único comercial em horário nobre por semana) que é pouco provável que sejam sequer percebidos pela maioria do eleitorado.

É por essas (e outras) que quem entende de eleição cada vez mais considera possível a vitória, em primeiro turno, da candidata de Lula.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Haverá 2o. turno em 2010 ?

Pesquisa CNT/Sensus coloca Dilma 10 pontos percentuais à frente de Serra
Veja e evolução dos candidatos desde Novembro de 2009 no gráfico abaixo (clique para ampliar as imagens)
No 1o. turno
Havendo 2o. turno:


(*) Atendendo o pedido de Luiz Carlos Azenha do Viomundo

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Só Hitler foi capaz de ir tão longe – e tão fundo

Esse Uribe, queridinho do PiG (*), transformou as FARC no Iraque do Bush e deixou o Exército e os Exércitos Privados transacionarem com o trafico e massacrar os camponeses.

Encontrada na Colômbia a maior vala comum da América Latina

Recentemente, na Colômbia, foi descoberta a maior vala comum da história contemporânea do continente latino-americano, horrenda descoberta que foi quase totalmente invisibilizada pelos meios de comunicação de massa na Colômbia e no mundo. A vala comum contém os restos de ao menos 2.000 pessoas e está em La Macarena, departamento de Meta. Desde 2005, o Exército, espalhado pela zona, enterrou ali milhares de pessoas, sepultadas sem nome.

A reportagem está publicada no sítio colombiano Cronicón, 29-07-2010. A tradução é do Cepat.

A população da região, alertada pelas infiltrações putrefatas dos cadáveres na água potável, e afetada pelos desaparecimentos, já havia denunciado a existência da vala em várias ocasiões ao longo de 2009: havia sido em vão, pois a fiscalia não realizava as investigações. Foi graças à perseverança dos familiares de desaparecidos e à visita de uma delegação de sindicalistas e parlamentares britânicos que investigava a situação dos direitos humanos na Colômbia, em dezembro de 2009, que se conseguiu trazer à luz este horrendo crime perpetrado pelos agentes militares de um Estado que lhes garantia a impunidade.

Trata-se da maior vala comum do continente. Dois mil corpos em uma vala comum, isso é um assunto grave para o Estado colombiano, mas sua mídia, e a mídia mundial, cúmplices do genocídio, se encarregaram de mantê-lo quase totalmente em silêncio, quando para encontrar uma atrocidade parecida é preciso remontar às valas nazistas. Este silêncio midiático está sem dúvida vinculado aos imensos recursos naturais da Colômbia e aos mega-negócios que ali se gestam em base aos massacres.

A Comissão Asturiana de Direitos Humanos, que visitou a Colômbia em janeiro de 2010 (menos de um mês depois da descoberta da vala), perguntou às autoridades sobre o caso. As respostas foram preocupantes: na fiscalia, na procuradoria, no Ministério do Interior, na ONU, todos tentam se esquivar do assunto. E enquanto isso, tratam de “operar” a vala para minimizá-la, mas a delegação britânica a constatou, e as próprias autoridades reconheceram ao menos 2.000 cadáveres. Em dezembro, “o prefeito, aliado do governo, o denunciou também junto ao sepulteiro”, mas depois, as pressões oficiais tendem a fazer “diminuir suas apreciações sobre o número de corpos”.

A Delegação Asturiana denunciou a ostensiva vontade de alterar a cena do crime: “ninguém está protegendo o lugar. Ninguém está impedindo que se possam alterar as provas. Que um trator possa entrar e voltar a misturar os cadáveres anônimos, a tirá-los e levá-los para outro lugar”. “Solicitamos às instituições responsáveis do Governo e do Estado colombiano que implementem as medidas cautelares necessárias para assegurar as informações já registradas nos documentos oficiais, que tomem as medidas cautelares necessárias com a finalidade de assegurar o perímetro para prevenir a modificação da cena, a exumação ilegal dos cadáveres e a destruição do material probatório que ali se encontra (…) É fundamental a criação de um Centro de Identificação Forense em La Macarena com a finalidade de conseguir a individualização e plena identificação dos cadáveres ali sepultados”.

A Delegação Asturiana transmitiu às autoridades outra denúncia. As autoridades aduziram desconhecimento, e alegaram incapacidade operativa: “há tantas valas comuns em nosso país que…”. Trata-se do município de Argelia em Cauca: “Um ‘matadouro’ de gente, onde as famílias não puderam ir buscar os corpos de seus desaparecidos, pois os paramilitares não as deixaram entrar novamente em suas comunidades: deslocaram os sobreviventes”. As vítimas sobreviventes relataram: “havia pessoas amarradas que soltavam aos cachorros esfomeados para que os assassinassem pouco a pouco”.

Na Colômbia, a Estratégia Paramilitar do Estado colombiano, combinada com a ação de policiais e militares, foi o instrumento de expansão de latifúndios. O Estado colombiano desapareceu com mais de 50.000 pessoas através de seus aparelhos assumidos (policiais, militares) e de seu aparelho encoberto: sua Estratégia Paramilitar. O Estado colombiano é o instrumento da oligarquia e das multinacionais para a sua guerra classista contra a população: é o garante do saque, a Estratégia Paramilitar se inscreve nessa lógica econômica.

A invisibilização de uma vala comum das dimensões da vala de La Macarena se inscreve no contexto de que os negócios de multinacionais e oligarquias se baseiam nesse horror, e em que esta vala seja produto de assassinatos diretamente perpetrados pelo Exército nacional da Colômbia, o que prova ainda mais o caráter genocida do Estado colombiano em seu conjunto (para além do seu presidente Uribe, cujos negócios e vínculos com o narcotráfico e o paramilitarismo estão mais do que comprovados).

A cumplicidade da grande imprensa é criminosa, tanto a nível nacional como internacional. Os povos devem romper o silêncio com que se pretende ocultar o genocídio. Urge solidariedade internacional: a Colômbia é, sem dúvida, um dos lugares do planeta no qual o horror do capitalismo se plasma da forma mais evidente, em seu paroxismo mais absoluto.

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

domingo, 1 de agosto de 2010

Gilson Caroni: Serra e Índio, qual o apito?

por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior

E finalmente descortinou-se – sob os estarrecidos olhares dos eternos ingênuos – a verdade que todos, há muito tempo, já conheciam. A fluidez do processo político brasileiro, suas clivagens e crises que podem decorrer da percepção de resultados eleitorais adversos, levaram o candidato José Serra a revelar sua verdadeira natureza de classe. Reativando um surrado discurso udenista, o ex-presidente da UNE passou a endossar o protofascismo de sua base de sustentação. Mais que assegurar a adesão de eleitores da direita, pôs por terra uma tese que ganhava espaço na grande mídia e em conhecidos círculos acadêmicos.

A caracterização simplória do cenário político definia as próximas eleições mais como uma disputa por espaço eleitoral do que como polarização ideológica de projeto de país. Ressurgia, com endosso de algumas lideranças esquerdistas, a visão dos dois partidos hegemônicos (PT e PSDB) como agrupamentos politicamente inautênticos, sem verdadeiras raízes na estrutura social e sem diferenciação ideológica nítida. A distinção se daria apenas na maior ou menor capacidade de conseguir recursos, ganhos incrementais que ignoram modificações substantivas nos programas públicos. Nada mais falacioso. Nada mais revelador da fragilidade analítica dos que vêem no governo Lula uma continuidade pura e simples da gestão FHC. As sobejas dificuldades do candidato da direita, sua necessidade de marcar posição, desmentiram os estudos de encomenda.

Ao afirmar que “o PT é chavista, que mantém relação com as Farc, e prima por desrespeitar direitos humanos”, Serra incorporou a visão de mundo da nova direita. Um estrato que, ameaçado pela abrangente emergência social promovida nos últimos oito anos, destila raiva e ressentimento; típicos da intolerância retórica que o distingue. Impossibilitada de construir sua identidade pela inserção no processo produtivo, essa parcela da classe média forja a auto-imagem por diferenciação das classes fundamentais. Sabe que não é o que mira, mas não sobrevive sem o sentimento subjetivo de pertencer a uma elite idealizada. É nesse aspecto da nossa estrutura social que Índio e Serra passam a querer o mesmo apito. E a falar o mesmo dialeto.

As diatribes recentes do candidato tucano têm uma imensa serventia para os setores progressistas. Ao criticar as relações do governo petista com países sul-americanos e com a China, assegurando que “estamos fazendo filantropia com Paraguai e Uruguai e concessões excessivas ao país asiático”, Serra sinaliza que, no caso de uma eventual vitória em outubro, retomaria a política externa de subalternidade aos interesses estadunidenses. A volta da “diplomacia de pé de meia” não é uma questão menor nem uma mudança de rota desprezível.

A própria capacidade de o país de decidir soberanamente sobre seus destinos estará novamente em jogo. A orientação tendente a beneficiar o diálogo com os países vizinhos, superando assimetrias e promovendo uma autêntica integração, para ter continuidade e ser aprofundada, não pode conviver com a submissão vergonhosa ao imperialismo. O que está em jogo, neste momento, é a verdadeira segurança nacional.

Os inimigos dos reais interesses do país, ao contrário do que pretende a oposição e seu braço midiático, não são os governos de Evo Morales e de Hugo Chávez, a quem Serra, repetindo Uribe, acusa de “abrigar as Farc”. O que ameaça a nação brasileira é a humilhante prostração aos ditames de Washington. Em um país com instituições minimamente democráticas, Serra e seu vice têm como lugar certo a lata de lixo da história.

Quanto mais nos aproximamos de outubro, aumenta a urgência de ampla mobilização dos trabalhadores e demais setores populares em defesa das suas conquistas sociais e econômicas, alcançadas nos dois mandatos do presidente Lula. É bom lembrar que não se deve esperar da nova direita, que sustenta Serra, uma análise serena de um governo popular. Para ela é imperdoável que tenha havido um período tão rico em cidadania, tão pródigo em participação nos debates sobre problemas nacionais.

Jonathan Swift escreveu, certa vez, que se pode identificar um gênio pelo número de imbecis que lhe atravancam o caminho. Se o criador de Gulliver tiver razão, Lula e sua candidata, a ex-ministra Dilma Roussef, têm excelentes títulos para exigir que lhes reconheçam a genialidade. Com inveja, com rancor, com incompreensão, mobiliza-se contra eles o que há de pior na sociedade brasileira. E ainda há quem não veja diferença entre os atores.

(*) Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil